Isabel Fiadeiro Advirta

Isabel Fiadeiro Advirta


Eram cinco, foram cinco os apalpões que levei, nos sítios que conseguiam tocar. Corre, apalpa, foge. Riam e gritavam, felizes.


A primeira vez – a primeira vez consciente, fora da escola e de que me lembro nitidamente – teria uns 10, 11 anos no máximo. Tinha ido comprar qualquer coisa, fazer um pequeno recado na mercearia do bairro pacato onde morava. Um grupo de rapazes maiores (13, 14 anos, talvez) passaram por mim a correr. Eram cinco, foram cinco os apalpões que levei, nos sítios que conseguiam tocar. Corre, apalpa, foge. Riam e gritavam, felizes.

A última vez – a última até agora, bem entendido – foi há poucas semanas. Estava com as miúdas a voltar para a praia após um passeio nas rochas quando eu, que por acaso ia à frente, dei de caras com um tipo a masturbar-se no nosso caminho. Elas quase coladas a mim, mal tive tempo para lhe gritar: – Vai parar com isso já, vou passar com crianças. Ele parou. Vá lá.
Tudo errado nestes dois episódios que escolhi narrar no meio de tantos, tantos outros. Histórias destas não me faltam, foram sistemáticas numa fase de crescimento, comum durante a juventude e finalmente começou a acalmar com a idade adulta. Mas não pararam, nem por sombras. O meu “vá lá” ali em cima aliás diz muito sobre as minhas expectativas face a esta agressão sexual intermitente: nunca sabemos de onde virá, em que formato, até onde irá.
O espaço público não é seguro para as mulheres e muito menos para as miúdas, obviamente muito mais desprotegidas e com menor capacidade de reação. Andar à vontade na rua, na praia, na escola é algo adquirido para a grande maioria dos rapazes – nem pensam nisso, não avaliam de forma defensiva, automática e constante as pessoas com quem se irão cruzar – não por receio de assalto mas pelo potencial de assédio. Não escolhem o lado do passeio em função de poderem levar com uma frase nojenta daquele gajo. Não se afastam instintivamente – com um instinto desenvolvido ao longo dos anos – de grupos de homens ou rapazes que conversam ou, pior, bebem um copo enquanto observam quem passa. As raparigas, todas ou quase, sim, têm mesmo que crescer com defesas e armas se não querem – e não queremos! – prescindir da liberdade.

 

 

Isabel Advirta tem 46 anos, é feminista, lésbica e ativista, mãe de uma miuda, madrasta de outras duas, tia de seis sobrinhas e amiga de muitas mais mulheres em crescimento. E é por estas e por outras que luta para que o mundo em geral e as ruas em particular não sejam só dos homens.