Paula Cosme Pinto
Apareceres grávida é o pior desgosto que me podes dar.
Tinha 16 anos quando tive o meu primeiro namorado ‘à séria’. E nunca me hei-de esquecer da frase repetida pela minha mãe até à exaustão: “Faças o que fizeres, nunca me apareças grávida em casa. É o pior desgosto que me podes dar”. Em pleno início do milénio, esta sentença materna era semelhante à que muitas amigas da mesma idade ouviam. A frase era enfatizada em conversas de mãe e filha como forma de castrar a nossa descoberta sexual? Não me parece que fosse o intuito, pelo menos na minha casa. Mas em boa parte era esse o resultado.
Lembro-me de o início da minha vida sexual ter sido marcado pela nuvem cinzenta do medo de engravidar. Uma angústia mensal, alimentada também pelos muitos mitos que em pleno século XXI ainda proliferavam quanto à possibilidade engravidar mesmo usando preservativo e tomando a pílula, esta última pedida ao médico sempre sob a desculpa do controlo do acne. Na minha geração, raras ainda eram as adolescentes que diziam a um médico que queriam tomar a pílula por qualquer outra razão que não fossem as borbulhas ou a irregularidade do período. Consultas de ginecologia ficavam para depois, numa idade menos reprovável para assumir o início da vida sexual. É que antes dos 18 era de certa forma imoral fazê-lo, só as ditas “miúdas oferecidas” é que iam nisso, não as “como deve ser”.
Devo ressalvar que a minha mãe era uma mulher avant-garde, e é precisamente por isso que conto esta história. Mesmo vinda de uma família desempoeirada, e onde a sexualidade não é um tema tabu, a inibição da minha sexualidade aconteceu à conta de uma frase aparentemente inocente. Há casos bem mais graves de miúdas que foram ( e ainda hoje são) agredidas pelos pais ou castigadas de formas inenarráveis por começarem as suas vidas sexuais. Contudo, este pormenor ou subtileza – como lhe preferirem chamar – teve o condão de me provocar durante anos um arrepio nas costas só com a ideia de algum me falhar o período ao fim do mês. E se na altura eu não percebia isto, hoje é-me clara a influência que este aviso teve na forma como desfrutei realmente da minha iniciação sexual. O medo de dar um desgosto à minha mãe esteve sempre presente, como um alerta sobre os limites da liberdade do meu prazer.
Escusado será dizer que nunca o meu irmão ouviu semelhante frase na sua adolescência, tal como raros terão sido os rapazes que tenham iniciado a exploração da sua sexualidade com este peso nos ombros. Com medo da possibilidade de uma consequência que seria um desgosto, uma vergonha familiar suprema. Era assim há cerca de vinte anos, mas acredito que nos dias de hoje ainda existam dois pesos e duas medidas quando se aborda este tema com rapazes e raparigas
Embora seja fundamental informar e formar os adolescentes para as consequências do sexo desprotegido, é importante que no caso das raparigas o enfoque não seja exclusivamente a probabilidade de uma gravidez. É igualmente essencial reforçar a mensagem quanto ao perigo das DST, por exemplo, e quanto aos limites dentro das relações de intimidade, onde tantas adolescentes dos dias de hoje ainda não têm espaço para dizer não. Não desvalorizemos, contudo, o quão crucial é falar com eles e elas sobre a importância do prazer e da liberdade sexual nas nossas vidas, do quão positivo, saudável e benéfico essa experimentação é no nosso desenvolvimento. Mas sem nunca esquecermos que aquilo pode parecer uma simples subtileza de linguagem, pode ter um impacto a longo prazo na relação que ser humano vai ter com o sexo.
Paula Cosme Pinto foi jornalista do Expresso durante 10 anos, mas mudou-se para o outro lado da comunicação para integrar a equipa da agência criativa O Apartamento. Contudo, mantém até aos dias de hoje a coluna A Vida de Saltos Altos no site do semanário, onde se debruça diariamente sobre os desafios da igualdade de género. Pelo caminho lançou “Os Segredos da Maleta Vermelha”, um livro cheio de mel e piri-piri sobre a sexualidade das mulheres portuguesas. Adora observar pessoas, mas odeia rótulos: mais do que consultora, colunista, jornalista ou ativista, assume-se como mulher. Das que gostam de contar histórias.