Rita Lemos

Rita Lemos


Decidi escutar o meu corpo de mulher de uma forma muito mais atenta.


Este texto tem por base a minha e apenas minha experiência e crescimento sexual, entendendo-se como o tal o desenvolvimento da relação com a minha própria sexualidade e com o ser mulher no contexto cultural e social em que cresci. 

Ser mulher de 30 anos em 2018 tem-se revelado desafiante, particularmente no que diz respeito à representatividade da sexualidade na minha vida. Se por um lado cresci com enorme interesse nas transformações do meu corpo e na descoberta de novas sensações, a sociedade encarregou-se de aos poucos me “castrar” subtilmente, sempre disfarçada de boas intenções, ou pelo conselho amigo e preocupado dos pais que sempre zelaram pelo meu bem-estar, ou pela reprimenda da amiga que ficou chocada com a minha mini-saia ou com os beijos que dei ao rapaz atrás do pavilhão. 

Quer-me parecer que se tornou um lugar-comum nas nossas cabeças a ideia de que depois da emancipação feminina no início do século XX todas as mulheres são livres e cheias de direitos. 

Mas aos poucos fui percebendo que afinal, estava a crescer num contexto em que, é certo, não me obrigam a ficar em casa a cozinhar e lavar roupa ou a casar com algum primo distante mas, onde continua a haver uma tentativa quase subliminarmente instalada para moldar a mulher a manter o seu “papel” social mais ou menos enquadrado num conceito politicamente correto. 

Assim, sem me aperceber ou sequer questionar por vários anos, aprendi que era normal as meninas vestirem cor-de-rosa, que só há sacerdotes homens, que se os rapazes namoram mais do que uma miúda são garanhões mas eu sentia-me uma puta quando queria meter-me com mais do que um rapaz (como se os impulsos sexuais nas mulheres devessem estar biologicamente reprimidos), que o preservativo era uma borracha incomodativa e que o melhor era tomar a pílula, entre outras aprendizagens pequeninas mas plenas de significância e influência no desenvolvimento da minha identidade feminina. E fui deixando de perceber os meus ciclos menstruais, fui deixando de me sentir bem de saias e rejeitei completamente o uso de sapatos altos. Ainda assim sempre me achei uma miúda livre e realizada, porque tirei uma licenciatura, porque comecei a trabalhar, cheguei a adulta inconsciente de todo o background que me estava a moldar. 

Foi apenas já perto dos 30 que comecei a sentir que algo estava errado, que de alguma forma inconsciente me tinha tornado submissa a todos estes conceitos e estereótipos, que entreguei de bandeja a minha individualidade como ser humano e, principalmente como mulher. Então comecei a questionar-me porque me sentia tão pequena, tão insegura e com tantos medos. A pouco e pouco comecei uma caminhada de autodescoberta. Decidi parar de tomar a pílula já que há outros métodos para controlo da fertilidade (que aliás deveriam ser muito mais difundidos), decidi escutar o meu corpo de mulher de uma forma muito mais atenta, decidi usar saias sem pudor porque é do meu corpo que se trata e a única critica que tem poder de o afetar é a minha, decidi estar mais conectada com o resto do mundo e à forma como ele me afeta respeitando quando querem que diga sim mas o meu interior grita NÃO. 

Os homens vivem em parceria e atuam em conjunto neste mundo há séculos. Sejam no contexto religioso, militar ou político. Não quero de algum modo pregar ao feminismo extremista porque acredito cada vez mais que homem e mulher formam uma díade perfeita, mas tal ideia torna-se utópica sem um equilíbrio de papéis. Urge a necessidade de um maior entendimento do feminino, do valor fundamental da mulher na sociedade, na consciência política e da exaltação do respeito pela unicidade de cada ser vivente, seja qual for o seu desenvolvimento pessoal e sexual. 

 

 

 

Rita Lemos: Nascida às margens do Mondego, tendo crescido numa pequena cidade do interior, voltei à cidade que me viu nascer anos mais tarde para estudar
Enfermagem. A viver em Lisboa desde 2010 onde comecei a trabalhar como
enfermeira em Medicina Interna e desde há um ano em Hematologia, tendo
feito já um pequeno mas muito rico percurso na área dos Cuidados
Paliativos. Péssima com câmaras e representação, boa na escrita mas só para
mim. Uns dias gosto de pessoas, outros dias nem tanto.
Desde pequena me interesso pelas artes (pintura e desenho) e pela
literatura. Cada vez mais amante do contacto com a natureza e da descoberta
da nossa própria essência.